revista galileu -08/06/2021 14:44
No mundo animal, os rotíferos bdeloídeos são conhecidos por
sua prodigiosa capacidade de sobreviver a temperaturas extremamente baixas. Não à toa, pesquisadores
já observaram que, quando congelados entre −20 °C a 0 °C, esses pequenos
invertebrados de água doce conseguem resistir de seis a dez anos. Mas
um antigo bdeloídeo recuperado recentemente no permafrost da Sibéria sugere que esse intervalo de
tempo pode, na verdade, chegar à casa dos milhares: após cerca de 24 mil anos
congelado, o animal "voltou à vida". O caso, descrito no
periódico Current Biology em publicação nesta segunda-feira (7),
é o relato mais antigo de sobrevivência de rotíferos em estado congelado.
A descoberta foi liderada pelo Laboratório de Criologia do
Solo, do Instituto de Problemas Físico-Químicos e Biológicos em Ciências do
Solo, localizado em Pushchino, na Rússia. Ali, pesquisadores estão acostumados
a isolar organismos microscópicos que foram extraídos através de perfurações no
antigo permafrost siberiano – uma camada perene de gelo.
Micróbios unicelulares, vermes nematóides, caules de musgo e plantas da espécie Lychnis
coronaria estão entre as criaturas identificadas pela equipe que também já
"despertaram" do gelo.
Foi a partir da técnica de datação por radiocarbono que o
grupo descobriu que, surpreendentemente, o rotífero recém-coletado tinha, em
média, nada menos do que 24 mil anos. "Nosso relatório é a prova mais
concreta até o momento de que animais multicelulares podem suportar dezenas de
milhares de anos em criptobiose, o estado de metabolismo quase completamente interrompido",
avalia, em comunicado, Stas Malavin, que coliderou a empreitada.
O estado de criptobiose é um modo de latência adotado
temporariamente por alguns animais quando se veêm diante de condições
ambientais adversas. É como se eles apertassem um botão de “pausa” em todos os
seus processos metabólicos até que as circunstâncias externas voltassem à
normalidade. Foi o que fez o rotífero ancestral: uma vez descongelado em
laboratório, o animal passou a se reproduzir continuamente, em um processo
conhecido como partenogênese — uma forma de reprodução assexuada.
Ao congelar e descongelar dezenas desses rotíferos, os cientistas descobriram
que os organismos podem suportar a formação de cristais de gelo — que ocorre durante o congelamento lento — por
pelo menos sete dias. Isso sugere que esses invertebrados têm algum mecanismo
capaz de proteger suas células e órgãos dos danos causados a longo prazo por
temperaturas excessivamente baixas.
De acordo com os pesquisadores, desvendar esses mecanismos
de proteção pode ajudar a compreender com maior precisão o funcionamento
biológico dos rotíferos. Mas não só: esses minúsculos animais poderão fornecer
pistas sobre as melhores formas de preservar culturas de células, tecidos e
órgãos de outros animais — incluindo os humanos.
"É claro que quanto mais complexo o organismo, mais
difícil é preservá-lo vivo congelado e, para os mamíferos, não é atualmente possível”, observa Malavin. “No
entanto, passar de um organismo unicelular para um organismo com intestino e
cérebro [capaz de sobreviver ao gelo], embora microscópico, é um grande passo
em frente", avalia o cientista.