uol -29/07/2021 13:02
Rebeca Andrade conquistou nesta quinta-feira (29) a primeira
medalha olímpica da ginástica artística feminina. Na prova que define a ginasta
mais completa do mundo, o individual geral, em que vale a soma das notas dos
quatro aparelhos, a brasileira só não foi melhor que a americana Sunisa Lee.
Terminou na 2ª colocação, com 57.298 pontos e a medalha de prata nas Olimpíadas
de Tóquio. Para chegar até aqui, Rebeca aproveitou a trilha aberta pelas que a
antecederam. Daiane dos Santos, Daniele Hypolito, Jade Barbosa e Flávia Saraiva
acumularam conquistas internacionais, mas faltava, na coleção brasileira, a
medalha olímpica, que tantas vezes escapou pela mão.
Hoje, Rebeca a agarrou firme na Ariake Gymnastic Center, no
coração dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Rebeca liderou nos primeiros dois
quesitos. No salto, sua especialidade, quando teve execução perfeita para
receber 15.300 e sair na frente da disputa, mesmo com nota mais baixa que nas
qualificatórias. Uma apresentação irretocável nas barras assimétricas, em série
ainda mais difícil do que apresentou nas eliminatórias, manteve a brasileira na
frente entre as 24 finalistas, com nota de 14.666.
Sua maior adversária, a americana Sunisa Lee, tirou a
diferença no terceiro quesito, a trave, Rebeca chegou a figurar na terceira
posição, mas um recurso em sua nota na trave — que passou de um duvidoso 13.566
para um ainda criterioso 13.666 — a colocou na vice-liderança antes do último
aparelho, o solo.
Na decisão, a americana fez uma prova perfeita, e Rebeca
cometeu dois pequenos erros, que não tiraram o brilho de sua competição. A
medalha de prata coroa um caminho de glórias e finca o Brasil como uma potência
mundial da modalidade, ao som de "Baile de Favela".
Uma história de superações
De todas as 12 maiores economias do mundo, só a Índia, que
não tem tradição em Olimpíadas, não participou da final de hoje. A disputa pelo
posto de melhor ginasta do mundo, afinal, é uma peça no xadrez da geopolítica
internacional. China, Rússia e Estados Unidos têm imensas estruturas para
formar atletas, são donos cada um de uma consolidada escola de ginástica, e
fazem de tudo para tentar chegar aqui e subir ao pódio. Hoje, o pódio tem duas
dessas escolas tradicionais, Estados Unidos e Rússia, e uma brasileira garota
que morava com oito irmãos em uma pequena casa nos fundos de um sobrado em
Guarulhos, que era tudo que dona Rosa podia pagar.
O feito de Rebeca é o feito de um país. Convidada para
treinar no Flamengo ainda criança, pegou a Via Dutra e repetiu o caminho feito
por Diego e Daniele Hypolito uma década e meia antes. Desde muito cedo, foi
tratada como joia, olhada com carinho pelo clube rubro-negro e, ainda cedo,
pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG). Aos 12 anos, já era a melhor
ginasta do país, campeã brasileira em 2012, à frente da Daniele Hypolito e Jade
Barbosa. Poderia ter ido aos Jogos Olímpicos de Londres aos 13, ainda mais
jovem do que Rayssa Leal veio a Tóquio, com chances reais de brigar por medalha
no salto, mas a modalidade impõe uma idade mínima, para preservar crianças e
adolescentes.
Demorou, mas a hora chegou Se Londres não foi a Olimpíada de
Rebeca por causa da idade e a do Rio pelo psicológico, em Tóquio os fatos
convergiram para que ela saísse consagrada. Não sem novas pedras no caminho. A
ginasta brasileira sofreu novas lesões em 2017, já na arena em que aconteceria
o Mundial, e em 2019, no Campeonato Brasileiro. Por causa dessa última, em
junho de 2019, correu sério risco de não disputar a Olimpíada. Não pôde ajudar
o Brasil no Mundial, quando o time falhou em se classificar como equipe, e
passou a correr contra o tempo para disputar uma etapa da Copa do Mundo em
Doha, em março. Mas aquele torneio parou antes da final, porque o mundo
começava a viver uma pandemia.
O adiamento dos Jogos foi benéfico à brasileira, que teve um ano a mais para se preparar para o Campeonato Pan-Americano, classificatório. E ali ela mostrou que não só viria a Tóquio, como viria para ser protagonista. No esporte, com a nota 56.700, e nas redes sociais, uma vez que sua apresentação ao som de Baile de Favela viralizou.
No Japão, impressionou no treino de pódio, um spoiler do que
seria a competição, e depois brilhou na fase de classificação. Com 57,399, só
ficou atrás de Simone Biles, norte-americana que é a melhor do mundo desde 2013
e que desistiu da final de hoje depois de sentir-se desconfortável na final por
equipes, anteontem. Alegando que precisa cuidar de sua saúde mental, a
americana abriu mão de brigar pelo ouro que foi dela no Rio e nos últimos
quatro Mundiais. Ainda não se sabe se Biles vai participar das finais por
aparelhos, na semana que vem. Rebeca vai e tem duas chances de medalha. No
salto a final é domingo, às 5h45 (horário do Brasil). Ela avançou com a
terceira melhor nota e tem chances reais de ouro, especialmente se Biles não
competir. Já no solo a final é segunda, no mesmo horário. Na classificação,
Rebeca foi quarta.