r7 -16/01/2022 16:29
Ou se adapta ou perece. Chuvas acima da média,
deslizamentos, inundações, desabrigados, secas prolongadas e recordes de
temperatura. Nada disso vai sumir, pelo contrário. O recado de especialistas é
claro: as cidades brasileiras precisam se preparar, reforçar e melhorar a
infraestrutura urbana. E, mais importante, a cultura da prevenção deve tomar o
lugar da remediação dos desastres.
Bahia, Minas, Goiás, Rio e Espírito Santo já sentem neste
ano os efeitos de chuvas muito acima do esperado. Enquanto isso, municípios
paulistas, como Sorocaba, anunciam racionamento de água em meio à pior crise
hídrica em 90 anos. No Sul do país, há recorde de calor e seca, o que cruza a
fronteira e se estende para o território argentino. Os efeitos do fenômeno
climático La Niña são conhecidos, mas assusta a intensidade de como ocorrem
neste ano.
Em Minas, enchentes e deslizamentos causaram estragos nesta
semana. Uma família — três adultos e duas crianças — morreu em um carro
soterrado em Brumadinho. E houve ainda o medo do rompimento de barragens, após
os traumas com os desastres de Mariana, em 2015, e de Brumadinho, há três anos.
Moradores de áreas vizinhas a essas estruturas dizem não dormir. No mês
anterior, o sul da Bahia — onde não costuma chover tanto nesta época — assistiu
a temporais, mortes e desabrigados.
Na prática
“O aquecimento global, que não é uniforme, coloca mais
energia nos oceanos. Isso alimenta ainda mais esses fenômenos”, diz o professor
Pedro Luiz Côrtes, da pós-graduação em ciência ambiental do Instituto de
Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo). “Há dez anos falávamos
em possibilidades. Hoje falamos em realidade das mudanças climáticas.”
A situação das barragens em Minas é particularmente
preocupante. Enquanto reservatórios de hidrelétricas são construídos já
prevendo eventos extremos, o mesmo não ocorre com as construções menores. “A
infraestrutura existente para algumas represas, por exemplo, não comporta a
ocorrência de eventos extremos cada vez mais comuns”, diz Côrtes.
Há uma semana, Pará de Minas, na Grande Belo Horizonte,
pediu aos moradores abaixo da Usina do Carioca para deixarem suas casas. Havia
risco iminente de rompimento.
O alerta foi dado um dia após a queda de parte dos cânions
deixar dez mortos em uma lancha em Capitólio. O governador de Minas, Romeu Zema
(Novo), afirmou que foi uma fatalidade — a investigação ainda está em curso.
“Não sou especialista nessa área, mas quero deixar claro que o que aconteceu
ali é algo inédito”, disse. “E quando cai um raio, quem é o responsável?”
Prevenção
Situações assim, alertam os especialistas, tampouco se
resolverão sem ação do poder público, em suas várias esferas. E não dá para
trabalhar sozinho: é preciso integrar os órgãos do governo para compartilhar
diagnósticos, alertas e construir soluções conjuntas, do ponto de vista do
financiamento ou da implementação. Ao envolver bacias hidrográficas, por
exemplo, a ação em uma região pode ter impactos na outra, a centenas de
quilômetros de distância.
“O problema é que as áreas de risco chamam a atenção agora.
Mas e quando parar de chover?”, questiona Côrtes. “Temos uma cultura de
remediação e não de prevenção. Essa cultura sempre será mais cara e menos
eficaz.”
Ele lembra que há informações disponíveis para os municípios
se precaverem. Desde 2011, o Cemaden (Centro Nacional de Alerta de Desastres
Naturais) opera no país emitindo alertas sobre riscos hidrológicos. O centro,
ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, foi criado logo após os temporais
que causaram a tragédia na região serrana do Rio, com mais de mil mortos por
enchentes e deslizamentos. O episódio é considerado a maior tragédia climática
do país.
Desde então, o Cemaden — ainda que sofra com restrições de
orçamento — vem fazendo alertas sobre as áreas sujeitas a riscos de incidentes
como inundações e deslizamentos. “Informação não falta, o que falta é que os
municípios, os Estados e o governo federal utilizem essas informações”, diz.
É a mesma opinião de seu colega na USP, Pedro Jacobi. Para
ele, além do poder público, porém, é preciso que a população participe e se
torne corresponsável pela prevenção. “O Estado não pode ser aquele que tutela a
todos, sempre. É preciso que a população esteja cada vez mais alerta”, diz.
Jacobi afirma que o governo federal — cuja atuação na área
ambiental é alvo de críticas — também pouco ajuda na conscientização da
população. “Estamos num total desgoverno”, critica.
Consórcio de cidades e plano contra crise do clima são
estratégias
Um bom exemplo de participação da sociedade civil e das
prefeituras contra desastres naturais, segundo o professor Côrtes, é o
consórcio criado no Vale do Itajaí (SC), que sofria com enchentes e
deslizamentos. Em 2008, 135 pessoas morreram no estado por causa das chuvas.
Depois, os municípios da região se uniram e criaram uma rede de alertas.
“A chuva pode até causar danos econômicos lá, mas as pessoas
são avisadas com antecedência e retiradas de suas casas”, diz. “Esse tipo de
tecnologia, que está disponível para produtores rurais, que são alertados sobre
as mudanças no clima, tem de chegar às nossas cidades.”
Jacobi cita os exemplos de Santos, que criou uma lei para lidar
com as mudanças climáticas, e Niterói. A cidade da região metropolitana do Rio,
onde 267 pessoas morreram, em 2010, no deslizamento do Morro do Bumba, é uma
das poucas a terem uma secretaria municipal de mudanças climáticas. Criada em
fevereiro de 2021, a pasta foi uma pioneira do tipo no Brasil. Entre os
projetos em andamento, estão a mitigação do impacto da poluição causada pelo
tráfego intenso entre o município e a capital e a implementação de métodos para
que os prédios da administração pública se adaptem a padrões de emissão zero de
carbono.
Em Santos, o plano municipal de mudanças climáticas foi
criado em 2016, após um ano de estudos. A fase de elaboração começou antes
mesmo do plano nacional. Fazem parte do escopo do plano a viabilização de instrumentos
econômicos para políticas públicas, a criação de uma base de dados sobre
mudanças climáticas e o monitoramento de fatores de risco à saúde decorrentes
do aquecimento global.