estadao -23/08/2021 18:32
FOTO DE CAPA DA JUSANTE DA USINA JUPIA EM CASTILHO - by moisés eustaquio
Em 30 anos, 15,7% da superfície de água do Brasil
desapareceu. No estado mais afetado, o Mato Grosso do Sul, mais da metade (57%)
de todo o recurso hídrico foi perdido desde 1990. Ali, essa redução ocorreu
basicamente em um dos biomas mais importantes do país, o Pantanal.
Todos os biomas brasileiros foram afetados e suas perdas
mensuradas em pesquisa inédita do MapBiomas, projeto que reúne universidades,
organizações ambientais e empresas de tecnologia. Ao todo, 3,1 milhões de
hectares de superfície de água sumiram, o equivalente a mais de uma vez e meia
de todo o recurso hídrico disponível no Nordeste em 2020.
Das 12 regiões hidrográficas, oito revelam hoje os efeitos
do desmatamento, da mudança climática e da destruição de mananciais refletido
na crise hídrica que afeta o meio ambiente e a geração de energia elétrica.
"Nesse ritmo vamos chegar a um quarto (25%) de redução da superfície de
água do Brasil antes de 2050", afirmou Tasso Azevedo, coordenador do
MapBiomas.
Após Mato Grosso do Sul, completam as três primeiras
posições da lista: Mato Grosso, com perda de quase 530 mil hectares, e Minas
Gerais, com saldo negativo de mais de 118 mil hectares. Boa parte dos pontos de
maior redução encontram-se próximos a fronteiras agrícolas, o que sugere que o
aumento do consumo e a construção de represas em fazendas, que provocam
assoreamento e fragmentação da rede de drenagem, trazem prejuízos para a
própria produção.
Para Maurício Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil, a
pesquisa é um recado para os "tomadores de decisões de que é preciso mudar
imediatamente essa trajetória de degradação que o Brasil tem escolhido".
Eles destaca que a criação de reservatórios em propriedades particulares é um
dos pontos mais preocupantes.
"Quando a gente vê a discussão no Congresso sobre a
flexibilização dos requisitos de licenciamento ambiental, não estão sendo
considerados os cuidados que precisam ao serem feitas barragens dentro de
propriedades privadas que causam perdas (para as bacias)", analisa
Voivodic.
O estudo também mostra a relação entre regiões afetadas por
queimadas e redução de água. O município que mais pegou fogo entre 1985 e 2020,
segundo o MapBiomas Fogo, e que mais perdeu água nesse período, foi Corumbá, no
Mato Grosso do Sul. Cáceres, o quinto que mais queimou no País, é o segundo em
perdas.
Além dos impactos ambientais, o problema detectado pela
pesquisa implica perdas econômicas consideráveis. "Em algumas regiões de
fronteira agrícola, como o Cerrado, chegar a um quarto de redução vai
significar também o fim da safrinha", diz Azevedo, se referindo às
culturas anuais mais curtas e que têm grande peso financeiro para os
produtores.
Relação
O alerta do pesquisador converge com o relatório do IPCC
publicado neste mês. O painel climático da ONU apontou que até 2040, uma década
antes do que era previsto, a temperatura média da Terra deve chegar a 1,5 grau
acima dos níveis pré-industriais. Entre as consequências para o Brasil estão a
perda da capacidade de produção agrícola causada por estiagens no Centro-Oeste.
O mesmo efeito climático se espera no Nordeste e na Amazônia.
Por lá, o estudo do MapBiomas também mostra esses efeitos.
Até mesmo a bacia do Rio Negro perdeu superfície de água. Considerando o início
e o final da série, foram mais de 360 mil hectares, queda de 22%. A queda mais
acentuada ocorreu entre 1999 e 2000, com redução de mais de 560 mil hectares,
ou um pouco mais de 27% a menos.
O que aconteceu com essa bacia, inclusive, é um exemplo.
Após reduções acentuadas, mesmo anos com mais chuvas não são capazes de
recuperar o estado inicial. Ou seja, os rios recuperaram, no máximo, parte
dessas perdas.
Imagem do rio Tietê, município de Pereira Barreto - foto by moises eustaquio
Para o coordenador do MapBiomas, o trabalho reaqlizado pela
ANA (Agência Nacional de Águas) é bom e as leis que regulam o uso da água no
Brasil estão bem estabelecidas. O problema está mesmo no desmatamento, mudança
climática e descaso com mananciais.
A postura negacionista em relação aos ataques ao meio
ambiente do governo Jair Bolsonaro (sem partido), que minimiza os impactos do
desmatamento e fragiliza a fiscalização ambiental, preocupa especialistas.
Na gestão Bolsonaro, o número de focos de incêndios em
regiões como Amazônia, Pantanal e Cerrado disparou. Em 2020, o Cerrado
brasileiro assim como o Pantanal registraram as piores queimadas já captadas
pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), órgão do
Ministério da Ciência e Tecnologia
De acordo com estudo do próprio MapBiomas, todos os anos,
uma área maior que a Inglaterra pega fogo no Brasil. A área queimada desde 1985
chega a quase um quinto do território nacional. Foram 1.672.142 km², o
equivalente a 19,6% do Brasil. O fogo e escassez hídrica acionam um sinal de alerta.
"Isso reforça a mensagem aos tomadores de decisão de que é preciso mudar
imediatamente essa trajetória de degradação que o Brasil tem escolhido. Os
prejuízos que estamos causando ao planeta vão necessariamente impactar nossa
economia", diz o diretor do WWF-Brasil.
Plataforma colaborativa
Criado em 2015, o MapBiomas é uma rede colaborativa formada
por ONGs, universidades e empresas de tecnologia que se organizam para o estudo
do meio ambiente e temas transversais. Neste mês, além da pesquisa sobre recursos
hídricos, a plataforma lançou um relatório sobre os focos de incêndio no
Brasil. Fazem parte organizações como o Instituto do Homem e do Meio Ambiente
da Amazônia (Imazon), Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam),
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), em parceria com empresas
como o Google e financiamento de fundações como Climate and Land Use Alliance e
Instituto Clima e Sociedade (ICS), entre outras.