r7 -11/03/2023 10:20
A cada desastre causado por uma tempestade, a resposta
aparece sempre na ponta da língua: "não esperávamos por uma chuva como
essa" ou "choveu muito acima do esperado". Mas alertas e
informações — até sobre o crescimento de eventos extremos — existem
para que o poder público se prepare para evitar mortes como as 65 causadas pelo temporal no litoral norte
paulista em fevereiro. Nesta semana, foi a vez de a cidade de São Paulo
sofrer no temporal — uma idosa morreu em um carro submerso em Moema, na zona
sul.
Na Grande São Paulo, a frequência de chuvas extremas
triplicou em uma década, conforme dados do Instituto Nacional de Meteorologia
(Inmet). O órgão federal é o responsável por elaborar as Normais Climatológicas
do Brasil. Entre a primeira e a segunda décadas do século (2001/2010 e
2011/2020), os temporais acima de 100 milímetros passaram de dois para sete
dias a cada dez anos. Já as chuvas fortes, acima de 80 mm, foram de 9 para 16
dias. Um milímetro de chuva equivale a um litro de água por metro quadrado.
A alteração no padrão de chuvas na região metropolitana fica
ainda mais evidente quando se compara a última década com o período inicial da
análise do Inmet (1961-1970). O número de dias com chuva acima de 50 mm passou
de 37 para 47, enquanto as precipitações acima de 80 mm foram de 3 para 16 dias
(13 dias a mais). As tempestades acima dos 100 mm se repetiram 7 vezes no
período mais recente. Já nos anos 1960: nenhuma ocorrência.
Eventos climáticos extremos são aqueles que ocorrem fora dos
padrões para uma determinada região e têm consequências para a população local.
Secas prolongadas, ondas de frio ou de calor acentuadas e chuvas torrenciais,
como a que deixou 18 mortos e mais de mil desalojados em Franco da Rocha, na
Grande São Paulo, em janeiro de 2022. Fora dos padrões, mas não dos registros,
essas informações são públicas. Os dados são resultado da análise dos valores
médios de variáveis meteorológicas calculados para um período relativamente
longo e uniforme, compreendendo no mínimo três décadas consecutivas. Com base
neles, políticas públicas de habitação, saneamento e prevenção de desastres
podem ser planejadas.
Aquecimento
Os mesmos dados também revelam de forma inequívoca para os
climatologistas os efeitos diretos do aquecimento global. "Há mais de 20
anos os modelos climáticos têm nos avisado e é exatamente o que está
acontecendo agora", diz Paulo Artaxo, físico da USP, uma das maiores
autoridades mundiais no assunto e autor de um dos capítulos do relatório do
Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, das Nações Unidas
(IPCC). O IPCC traçou como limite, até o fim do século, a alta de 1,5ºC
na temperatura ante o nível pré-Revolução Industrial. O aquecimento já
é de 1,1ºC e, dizem especialistas, e 2025 é o limite para conter as emissões de
gases estufa e evitar uma catástrofe climática.
O Brasil, em 2022, registrou a maior alta nas emissões de
gases estufa em 19 anos, resultado do desmatamento, segundo levantamento do
Observatório do Clima. E climatologistas como Artaxo não se surpreendem com a
mudança no regime de chuvas.
Belém, a capital do Pará, Estado com o maior desmatamento da
Amazônia em 2022, é o exemplo. Quando se comparam décadas de 1991-2000 e a de
2011-2020, segundo os dados do Inmet, observa-se que o número de dias com chuva
acima de 50 mm passou de 75 para 110. As chuvas acima de 80 mm também se
tornaram mais frequentes, passando de 15 para 26 dias. Já as que excedem os 100
mm se mantiveram estáveis (de 8 para 7 dias).
No outro extremo do país, outra realidade parecida. Em Porto
Alegre, o padrão pluviométrico hoje é distinto do que era nos anos 1990.
Comparando dados do Inmet da última década (2011/2020) com o período de
1991/2000, nota-se aumento de ocorrências de chuva acima de 50 mm (21 dias a
mais), 80 mm (6 dias a mais) e 100 mm (2 dias mais). Ou seja, há mais dias com
chuvas mais fortes na capital gaúcha.
Esse excesso pluviométrico anual que esses eventos extremos
causam não se distribui de forma homogênea, explica o climatologista José
Marengo, coordenador geral de pesquisa e desenvolvimento do Centro Nacional de
Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), órgão responsável por
alertar as Defesas Civis estaduais em caso de perigo. Entre esses dias de
chuvas extremas, pode haver longos períodos de seca.
Vulnerabilidade
Os resultados do Inmet que balizam as Normais Climatológicas
do Brasil são parecidos com os encontrados por outros estudos que mostram, por
exemplo, o aumento de dias secos na Amazônia e em Pernambuco. E a concentração
de até 30% do volume pluviométrico anual no Rio de Janeiro em apenas 6 dias do
ano.
Para além das alterações nos padrões de chuva, em comum é
quem costuma ser mais atingido. Quase 4 mil pessoas já morreram por causa de
deslizamentos de terra no Brasil desde 1988, segundo levantamento do Instituto
de Pesquisas Tecnológicas (IPT).
O diagnóstico é feito também pelo IPCC: populações mais
pobres são as mais vulneráveis e as mais afetadas pelo aquecimento global.
"O desastre sempre tem três componentes: a ameaça (o volume da chuva, por
exemplo), a vulnerabilidade da população (o nível de infraestrutura e segurança
do local) e a exposição ou perfil do grupo (idosos e crianças, por
exemplo)", diz Marengo.