noticias ao minuto/folha -20/09/2020 20:08
Não faz sentido temer, como
sugere uma das mais recentes ondas de desinformação, que as vacinas contra a
Covid-19 em teste no mundo todo levem a alterações do DNA humano, dizem
especialistas.
Mesmo as que incluem material
genético viral foram projetadas para minimizar as possibilidades de interação
desse material com o genoma das pessoas.
"Mas, antes de mais nada, é
preciso desmistificar o que pode significar isso. A questão é que a gente está
sujeito a uma chuva de DNA externo o tempo inteiro, e o organismo lida com esse
material genético exógeno sempre", diz o virologista Flávio da Fonseca, da
UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e do centro de pesquisas
CT-Vacinas.
Bactérias e certos tipos de
invasores virais, como os retrovírus, por vezes transferem sua informação
genética para o DNA de seus hospedeiros, com efeitos que podem ser negativos,
neutros ou mesmo positivos.
Com o passar de milhões de anos,
esses trechos de DNA podem até virar "fósseis" incrustados no genoma
humano. Estima-se que algo entre 1% e 5% do material genético da espécie humana
seja formado pelos chamados retrovírus endógenos, ou seja, informação
hereditária viral que passou por esse processo de incorporação a partir de
antigos retrovírus.
A maioria deles não parece ter
efeito nenhum no organismo, mas acredita-se que retrovírus endógenos ajudaram
na evolução da placenta, a bolsa protetora dos fetos que se forma durante a
gestação na maioria dos mamíferos. Nesse caso, a informação genética deles foi
"reciclada" e reutilizada pelos ancestrais dos mamíferos atuais.
Todos os vírus que causam doenças
hoje dependem da capacidade de induzir as células que invadem a usar os genes
virais (os quais podem ser formados por DNA ou por uma molécula aparentada a
ele, o RNA) a produzir novas cópias dos próprios vírus. As células humanas
infectadas funcionam, grosso modo, como uma fábrica dominada por robôs que
passa a produzir mais robôs.
Entretanto a maior parte desses
invasores virais (à exceção dos retrovírus, que incluem parasitas como o HIV,
causador da Aids) não precisa modificar o genoma das células humanas para
conseguir isso.
Portanto as vacinas baseadas no
próprio coronavírus inativado (inócuo), como a que está sendo testada por uma
empresa chinesa em parceria com o Instituto Butantan (SP), não trazem esse
risco –os coronavírus não agem como os retrovírus.
Mais ou menos a mesma coisa vale
para vacinas que estão usando vetores virais –ou seja, vírus geneticamente
modificados para carregar um pequeno trecho do material genético do
coronavírus, feito de RNA. É o caso da vacina desenvolvida pela Universidade de
Oxford, que também está sendo testada no Brasil, e a vacina russa, Sputnik V.
"Esses vírus em geral são
desenhados para serem não replicativos, ou seja, não fecham o ciclo de produção
de novas cópias virais", explica Fonseca.
Por fim, outra abordagem, testada
por institutos de pesquisa e empresas nos EUA, envolve o uso do RNA do vírus.
Esse tipo de abordagem, embora ainda não tenha chegado a produzir vacinas
comerciais, teoricamente seria ainda mais seguro, porque as moléculas de RNA,
que são usadas pela célula como "receita" para a produção de
proteínas, são facilmente "desmontadas" pelo organismo e não fazem
parte do genoma localizado no núcleo da célula.
Para que a presença delas levasse
a alterações no genoma, seria preciso um maquinário molecular especializado que
fizesse uma versão do RNA em formato de DNA e o inserisse dentro do material
genético humano –de novo, algo que simplesmente não ocorre espontaneamente.
"As vacinas nunca são
projetadas para isso. Seu papel é induzir imunidade, que é um objetivo
completamente diferente", diz o pesquisador da UFMG.