folhapress -03/07/2024 12:29
Pantanal enfrenta desde 2019 o período mais seco das últimas quatro
décadas e a tendência é que 2024 tenha a pior crise hídrica já observada no
bioma, de acordo com um estudo inédito lançado nesta quarta-feira (3). Os
resultados apontam que, nos primeiros quatro meses do ano, quando deveria
ocorrer o ápice das inundações, a média de área coberta por água foi menor do
que a do período de seca do ano passado.
O estudo foi encomendado pelo WWF-Brasil e realizado pela
empresa especializada ArcPlan, com financiamento do WWF-Japão. O diferencial em
relação a outras análises baseadas em dados de satélite é o uso de dados do
satélite Planet.
“Graças à alta sensibilidade do sensor do satélite Planet,
pudemos mapear a área que é coberta pela água quando os rios transbordam. Ao
analisar os dados, observamos que o pulso de cheias não aconteceu em 2024.
Mesmo nos meses em que é esperado esse transbordamento, tão importante para a
manutenção do sistema pantaneiro, ele não ocorreu”, ressalta Helga Correa,
especialista em conservação do WWF-Brasil que é também uma das autoras do
estudo.
“De forma geral, considera-se que há uma seca quando o nível
do Rio Paraguai está abaixo de 4 metros. Em 2024, essa medida não passou
de 1 metro. O nível do Rio Paraguai nos cinco primeiros meses deste ano
esteve, em média, 68% abaixo da média esperada para o período”, afirma Helga.
“O que nos preocupa é que, de agora em diante, o Pantanal tende a secar ainda
mais até outubro. Nesse cenário, é preciso reforçar todos os alertas para a
necessidade urgente de medidas de prevenção e adaptação à seca e para a
possibilidade de grandes incêndios.”
Na Bacia do Alto Rio Paraguai, onde se situa o Pantanal, a
estação chuvosa ocorre entre os meses de outubro e abril, e a estação seca,
entre maio e setembro. De acordo com o estudo, entre janeiro e abril de 2024, a
média da área coberta por água foi de 400 mil hectares, em pleno período de
cheias, abaixo da média de 440 mil hectares registrada na estação seca de 2023.
De acordo com os autores do estudo, os resultados
apontam uma realidade preocupante: o Pantanal está cada vez mais seco, o
que o torna mais vulnerável, aumentando as ameaças à sua biodiversidade, aos
seus recursos naturais e ao modo de vida da população pantaneira. A sucessão de
anos com poucas cheias e secas extremas poderá mudar permanentemente o
ecossistema do Pantanal, com consequências drásticas para a riqueza e a
abundância de espécies de fauna e flora, com grandes impactos também na
economia local, que depende da navegabilidade dos rios e da diversidade de
fauna.
“O Pantanal é uma das áreas úmidas mais biodiversas do mundo
ainda preservadas. É um patrimônio que precisamos conservar, por sua
importância para o modo de vida das pessoas e para a manutenção da
biodiversidade”, ressalta Helga.
Além dos eventos climáticos que agravam a seca, a redução da
disponibilidade de água no Pantanal tem relação com ações humanas que degradam
o bioma, como a construção de barragens e estradas, o desmatamento e as
queimadas, explica Helga.
De acordo com a especialista em conservação do WWF-Brasil,
diversos estudos já indicam que o acúmulo desses processos degradação,
acentuados pelas mudanças climáticas, pode levar o Pantanal a se aproximar de
um ponto de não retorno - isto é, perder sua capacidade de recuperação natural,
com redução abrupta de espécies a partir de um certo percentual de
destruição.
Outra preocupação é que as sucessivas secas extremas e as queimadas
por elas potencializadas afetam a qualidade da água devido à entrada de cinzas
no sistema hídrico, causando mortalidade de peixes e retirando o acesso à água
das comunidades. “É preciso agir de forma urgente e mapear onde estão as
populações tradicionais e pequenas comunidades que ficam vulneráveis à seca e à
degradação da qualidade da água”, diz ela.
A nota técnica traz uma série de recomendações como mapear
as ameaças que causam maiores impactos aos corpos hídricos do Pantanal,
considerando principalmente a dinâmica na região de cabeceiras; fortalecer e
ampliar políticas públicas para frear o desmatamento; restaurar áreas de
Proteção Permanente (APPs) nas cabeceiras, a fim de melhorar a infiltração da
água e diminuir a erosão do solo e o assoreamento dos rios, aumentando a
qualidade e a quantidade de água tanto no planalto quanto na planície, e apoiar
a valorização de comunidades, de proprietários e do setor produtivo que
desenvolvem boas práticas e dão escala a ações produtivas sustentáveis.