Remédios emagrecedores podem causar efeito rebote e dependência

r7 -25/10/2021 07:54

“Quase entrei em coma três vezes, mas continuei a tomar os remédios todas as vezes em que foram proibidos”. A afirmação de Patricia Edwirges Carvalheiro, de 38 anos, que faz uso de medicamentos emagrecedores como anfepramona desde os 16, revelação da complexidade da polêmica acerca dos anorexígenos, também chamados de inibidores de apetite, no Brasil. 

Medicamentos do tipo anfetamínicos - como mazindol, femproporex e anfepramona - chegaram como uma novidade para tratar a obesidade por meio da inibição do apetite não final da década de 1990 e foram recebidos em larga escala, até que os efeitos roubassem o protagonismo da perda rápida de peso.

Em 2011, a Anvisa retirou do mercado estes três medicamentos por sentido que os riscos do uso não superavam os benefícios do tratamento, além de tê-los considerados ineficazes.

“[Apresentaram] resultados absolutamente insatisfatórios no médio e longo prazo, além de trazerem efeitos incluídos que incluem risco de dependência, aumento da hipertensão arterial e problemas psiquiátricos, bem como outros danos ao cérebro e ao sistema cardiovascular”, disse a agência por meio de nota.

Recentemente,  o STF (Supremo Tribunal Federal) vetou uma lei de 2017 , aprovada pelo Congresso Federal, que permite a comercialização e o uso de mazindol, femproporex, anfepramona e sibutramina sob receita médica específica. No entendimento da corte, cabe somente à Anvisa decidir sobre o assunto.

No caso de Patrícia, dos 97 kg que ela pesava ao iniciar o tratamento com anfepramona pela primeira vez, ela perdeu 30 kg em um mês. O peso se manteve por um ano, com a manutenção do medicamento que foi sendo retirado aos poucos, até que o chamado efeito rebote apareceu.

“Eu cosmi a engordar de novo. O efeito rebote sem o remédio é muito forte, você começa a querer comer até as paredes de tanta fome que dá. Fiquei um ano tentando me controlar com dieta, reeducação alimentar e exercício físico, mas a dependência que o remédio causa é também emocional, a anfepramona dá uma sensação muito grande de bem-estar e disposição para fazer tudo, além de eu não sentir fome alguma ”, afirma.

De lá pra cá, ela também foi medicada com femproporex e sibutramina, mas manteve o uso da anfepramona, que conseguiu por meio de médicos que recebeu forma ilegal ou a encaminham para laboratórios que tomou a fórmula, também ilegalmente.

“Com o femproporex eu fico muito nervosa e estressada, com a sibutramina não perco o apetite totalmente”, afirma.

Além de sempre recuperar os quilos que perde, Patrícia passou a conviver com efeitos resultantes como fraqueza e hipoglicemia, que a levaram aos quadros de início de coma três vezes, assim como fraqueza das unhas, queda dos cabelos, mudanças na visão, erupções cutâneas e ansiedade quando para com os medicamentos.

“Na época [das crises de fraqueza que quase terminaram em coma] eu trabalhava em uma empresa onde eu operava máquinas, cheguei a dormir no banheiro por 40 minutos porque não tinha cortinas para voltar para o trabalho e quando ia para o médico, não tinha quadros para ficar em pé ”, conta.

Questionada sobre por que mantém o uso da medicação, Patrícia é categórica ao afirmar que é uma única maneira de perder muito peso de forma rápida.

“Sem medicamento, eu demoraria muito para perder peso e não conseguiria controlar meu apetite, mas o remédio bloqueia a fome quase que instantaneamente. Quem toma pensa assim 'depois que eu perder 10 kg eu paro', mas não para ”, ressalta.

Contraindicações

Por manter o uso da anfepramona por muito tempo, Patrícia afirma que o remédio sozinho não faz mais efeito, então seu médico receita um composto com outros medicamentos como laxantes, diuréticos e antidepressivos, para que ela consiga ter os efeitos de inibição de apetite e perda de peso desejados.

Acontece que uma interação medicamentosa com remédios para tratar depressão e ansiedade é uma das contraindicações dos medicamentos do tipo anfetamínicos, como a anfepramona, de acordo com o endocrinologista Nelson Vinicius Gonfinetti, do Instituto Castro e membro da SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) .

“Essa associação é proibida porque um medicamento potencializa o outro. Os emagrecedores só podem ser recebidos se o paciente não tiver nenhuma doença como depressão ou ansiedade, porque não é recomendada nenhuma interação medicamentosa durante o tratamento ”, afirma o especialista.

Além disso, os medicamentos também são contra-indicados para hipertensos, pessoas com problemas cardiovasculares, com glaucoma, com histórico de problemas psiquiátricos, entre outras restrições.

“Tem muitas contraindicações, é um receituário muito restrito, porque essas medicações têm resultados a nível cardíaco e podem piorar esses outros quadros”, afirma o médico.

Gonfinetti destaca que medicamentos como a anfepramona, mazindol, femproporex e a sibutramina atuam no sistema nervoso central, sem hipotálamo, para inibir a fome e que, de maneira geral, todos têm uma característica de perder o efeito ao longo do tempo.

“Esse efeito de engordar depois que parar o remédio é esperado. Temos que compreender a obesidade como sendo uma doença crônica, não é uma doença na qual se toma um antibiótico e tem a cura. É como a hipertensão arterial e a diabetes, enquanto você dá a medicação, elas estão controladas, quando tira a medicação, elas voltam. Então na obesidade vamos sempre lidar com isso, se parar o remédio, uma pessoa vai engordar de novo ”, afirma o médico.

Controvérsias

Apesar de a Anvisa ter afirmado, por meio de nota, que a decisão de 2011 foi fundamentada por 170 trabalhos científicos, além de técnicas, inclusive com outras agências regulatórias do mundo, a SBEM (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia) considera que os motivos para suspensão dos medicamentos médicos desconhecidos.

“Pois não houve nenhum estudo ou dado novo relacionado com medicamentos anfepramona, femproporex e mazindol que justificassem a cassação dos registros nas ocasiões”, disse a SBEM por meio de nota.

Por outro lado, a nota da Anvisa indica que desde 2011 não há novos dados e que nenhum laboratório clínico clínico estudos que atribuíssem uma situação favorável ao uso medicamentos medicamentos. 

Apesar disso, a sociedade acredita que o STF decidiu acertadamente em preservar como prerrogativas da Anvisa ao derrubar a lei de 2017, que permitia novamente a comercialização dos anorexígenos. 

“Que [a Anvisa] cumpra seu papel de forma cuidadosa, não incorrendo em resoluções arrebatadas, como a de 2011, que trouxe confusão para a população e pôs em risco o seu papel tão nobre e, até o momento, exemplar, nas decisões relacionadas com medicamentos e vacinas para a Covid-19 ”, conclui a nota.

Assim como a Anvisa, a SBEM manteve a recomendação para o uso da sibutramina, de acordo com a dosagem máxima, com limitação do tempo de tratamento, assinatura de Termo de Responsabilidade pelo médico prescritor e Termo de Ciência do paciente para o uso da medicação .

Alternativas além da sibutramina

O impasse entre a Anvisa e a SBEM revelam a falta de consenso entre a comunidade médica e científica a respeito do uso dos remédios. Para a sociedade, a proibição medicamentosa pode dificultar um tratamento eficiente dos pacientes com IMC (índice de massa corporal) acima ou igual a 30, o que define uma pessoa obesa, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde).

“Muitos pacientes, por características biológicas, têm dificuldade para reduzir a ingestão e os medicamentos antiobesidade permitem um consumo alimentar menor, com conseqüente perda de peso”, diz a nota da SBEM. “A obesidade é uma doença multifatorial, crônica, progressiva e recidivante. Não negligenciando a importância da atividade física, a redução da ingestão calórica gerar um balanço energético é a base do tratamento dessa doença ”.

Além disso, a sociedade destaca que estes medicamentos são anorexígenos semelhantes à fentermina, prescrita para o tratamento da obesidade nos Estados Unidos, onde a anfepramona também é aprovada.

O endocrinologista Nelson Vinicius Gonfinetti ressalta que, além da sibutramina, o outro medicamento disponível no Brasil para inibir o apetite é a liraglutida, administrado de forma injetável.

"Mas é uma medicação muito cara e muita gente não consegue manter o uso, como que foram proibidas tem o custo mais baixo”.