r7 -26/09/2020 19:39
O Brasil está perdendo sua biodiversidade para as queimadas.
O Pantanal, maior bioma úmido do mundo, já teve 19% de sua área devastada. Até
quarta-feira (24), a região registrou 6.048 focos de incêndio, recorde
para um mês na série histórica iniciada em junho de 1998. A devastação, que
teve origem na ação
humana, mata a fauna, a flora e também ameaça a saúde física e mental das
pessoas.
O pediatra e toxicologista Anthony Wong, diretor do Centro
de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina
da USP, explica que a fumaça está carregada de substâncias tóxicas, como o
monóxido de carbono e o óxido de nitrogênio.
"Toda queimada solta substâncias irritantes. O maior
problema é a fuligem, uma substância preta que, se a pessoa inalar, pode levar
à inflamação dos pulmões e das vias aéreas. Quando o pulmão inflama, dificulta
a passagem do ar", destaca.
De acordo com ele, todas as pessoas estão suscetíveis às
complicações pela inalação de poluentes que vêm das queimadas. No entanto,
crianças e idosos estão mais suscetíveis à insuficiência respiratória.
Pessoas que já tem doenças respiratórias e pulmonares também
estão entre os mais vulneráveis. O pneumologista Elie Fiss, do Hospital Alemão
Oswaldo Cruz, destaca que a inflamação das vias aéreas pode desencadear crises
em quem sofre de asma, bronquite, rinite e enfisema pulmonar.
Picos de poluição aumentam em 20% o número de pessoas que
procuram o pronto atendimento", afirma.
As consequências podem ser ainda mais graves a longo prazo.
Um estudo publicado em 2017 na revista científica Nature mostrou que
a inalação de partículas presentes na fumaça de queimadas causa danos ao DNA,
estresse oxidativo e morte das células dos pulmões.
"No entanto, se as células não forem capazes de lidar
com o dano ao DNA e não houver a morte celular [das células intoxicadas], pode
ocorrer mutações, levando ao desenvolvimento do câncer de pulmão", aponta
a pesquisa.
Wong observa que toda queimada que atinge plantas libera
benzopireno, uma substânicia que causa câncer - principalmente nas pessoas que
estão mais próximas da área atingida - e também é encontrada na fumaça de
cigarros
Fiss acrescenta ainda que estudos mostram a relação entre
poluição e o aumento de doenças cardíacas, como infarto e AVC (Acidente
Vascular Cerebral).
Além disso, Wong destaca que o coração depende do pulmão.
"Quando o pulmão inflama, afeta toda a circulação, ocorre uma diminuição
da oxigenação sanguínea e hipertenção da artéria pulmonar", descreve.
Ansiedade e
transtornos depressivos são comuns
Como se não bastasse, a tragédia ambiental também afeta a
saúde mental da população pantaneira. Alberto Mesaque, professor de psicologia
da UFMS (Universidade Federal do Mato Grosso do Sul) ressalta que existe uma
ligação entre as pessoas e o território onde elas vivem, que está diretamente
relacionado com a identidade de cada um.
"Além de ser sagrado, é um lugar de subsistência,
então, junto com as queimadas surgem dúvidas: 'será que não vou ter como me
sustentar?' Mas também tem a questão de ver o território onde estão minhas
raízes sendo destruído", pondera.
"Sempre há fogo no Pantanal, mas esse ano foi bastante
devastador, então isso é vivenciado pela população como uma catástrofe",
completa.
De janeiro a agosto deste ano, foram registrados 10.153
focos de incêndio no Pantanal, essa
quantidade equivale a tudo o que queimou no bioma nos seis anos anteriores, de
2014 a 2019.
Essa destruição gera, ao mesmo tempo, sentimentos de
impotência e de descontrole, que podem desencadear ou piorar transtornos
psicológicos. "É muito comum que as pessoas tenham ansiedade, transtorno
depressivo e também que esse quadro se agrave", afirma Mesaque.
O professor enfatiza que a preservação da saúde mental é de
responsabilidade coletiva, e não algo que vem do interior do indivíduo para o
mundo externo, por isso, não é possível que as pessoas sozinhas se mantenham
emocionalmente saudáveis.
"Quando a gente fala de preservação do meio ambiente
também estamos falando de prevenção da saúde mental. Defender o Pantanal é
defender a saúde mental da população pantaneira", alerta.