terra -29/03/2020 13:29
A Espanha vive um cenário desolador e inimaginável
pouco tempo atrás. Neste sábado, 28, foram 8,2 mil novos casos de
coronavírus e 832 mortes - o dia mais trágico até agora. No total, são
mais de 70 mil contaminados e 6 mil mortos, que colocam os espanhóis, ao
lado dos italianos, no epicentro da pandemia global.
A covid-19 cobrou o preço mais alto da capital Madri, que
concentra 40% dos casos do país. Famosa por seus bares, tapas e terraços ao ar
livre, Madri virou uma cidade fantasma, militarizada após duas semanas de
confinamento absoluto decretado pelo governo do primeiro-ministro Pedro
Sánchez.
Caminhar sem uma boa razão pode render multa de até 3 mil
euros (R$ 17 mil). O isolamento vai até o fim do mês, mas provavelmente será
estendido por mais duas semanas. As imagens de Madri dão o tom da crise. Em uma
ação, a Guarda Civil ocupou uma fábrica de máscaras e apreendeu 150 mil para
levá-las a hospitais. Em outra, caminhões do Exército circulavam em bairros
próximos ao centro com um alto-falante exigindo que as pessoas ficassem em
casa.
O drama da capital se concentrar no sistema de saúde, que não pode absorver o número avassalador de casos graves decorrentes do coronavírus. Especialistas garantem que o pior ainda está por vir.
O médico Javier Padilla disse ao Estado que o trabalho dos
profissionais de saúde pública está no limite da capacidade, com infraestrutura
sobrecarregada e recursos cada vez mais limitados, em razão dos cortes nos
orçamentos e das privatizações no setor. Segundo ele, existem hoje 1,3 mil
trabalhadores a menos do que havia em 2009, período em que a população de Madri
aumentou em meio milhão de habitantes.
"Teríamos de retornar ao número de profissionais por
habitante que tínhamos antes da crise", afirmou Padilla. "Na Espanha,
entre 2008 e 2012, tivemos um corte de 20% nos gastos com saúde. A região de
Madri foi a que mais privatizou, o que causou uma perda da capacidade de
controle do serviço de saúde."
A médica e deputada da Comunidade Autônoma de Madri, Carmen
San José, do Podemos, partido de esquerda, cita números ainda mais alarmantes.
"Os cinco maiores hospitais públicos de Madri perderam 1.172 leitos, entre
2008 e 2018", disse. Carmen critica a política de saúde pública do Partido
Popular (PP), conservador, que governa Madri há 25 anos. "O PP minou a
estrutura de saúde da capital, retirando financiamento e promovendo um modelo
misto que privatizou desde ambulâncias e limpeza, até hospitais."
Mas o governo de Sánchez, um socialista, também não está
imune às críticas. A oposição acusa o premiê de ter decretado estado de
emergência tarde demais, no dia 14. Na semana anterior, no sábado, 60 mil
pessoas lotaram o estádio Wanda Metropolitano para ver a partida entre Atlético
de Madrid e Sevilha.
No dia seguinte, quando o vírus já circulava, 120 mil
pessoas saíram às ruas de Madri para marcar o Dia Internacional da Mulher. Além
disso, os conservadores argumentam que os cortes feitos pelo PP foram
replicados pelo governo socialista, em nível nacional, nos últimos anos.
A pandemia na Espanha, porém, não mexe apenas com a classe
política. O surto vem afetando a saúde mental de médicos e enfermeiros, que
lidam diariamente com hospitais superlotados em situação precária e com poucos
recursos.
"Os cortes no setor pioraram a qualidade dos contratos
de médicos jovens. Em razão da falta de profissionais, todos estão dobrando ou
triplicando a jornada de trabalho, piorando o estresse inerente à
pandemia", explica Carmen, que relata ataques de ansiedade e pânico de muitos
profissionais.
Na semana passada, uma das associações médicas mais
importantes da Espanha denunciou a falta de material de segurança,
principalmente de máscaras e de equipamentos de proteção individual. A escassez
vem aumentando a contaminação de profissionais da saúde, como foi o caso de
Andrea Miján, de 34 anos, médica de uma clínica particular de Madri.
"Nos consultórios, já não há máscaras, nem sabão. Tive
de trazer sabão de casa e exigir álcool em gel. Quando pedi as máscaras, me
responderam que estavam trancadas", disse Miján, que está há duas semanas
confinada. Ela acredita que foi infectada no atendimento de um homem de 70
anos. Em casa, ela passou o vírus para a mãe, que sofre crises de ansiedade em
razão do confinamento.