sergio nunes -13/01/2020 20:26
Há uma crescente ideia de que a
lei n. 13.869 (Lei de Abuso de Autoridade), em vigor desde o último dia 3,
coloca um ponto final à divulgação pela imprensa de nomes e imagens de presos. Amplia-se
também a falsa crença de que as autoridades policiais devem deixar de dar
publicidade a seus atos ou até mesmo impedir que os órgãos de comunicação o
façam.
Ambos os pensamentos parecem
distanciar do que a letra da lei denota e destoar muito mais ainda dos
princípios e garantias constitucionais. O artigo 13 da lei de abuso de
autoridade sugere claramente que se sujeita às penas da lei o agente público
que ‘constranger o preso ou detento’ a exibir-se ou ter seu corpo ou parte dele
exibido à curiosidade pública, ou, ainda, a submeter-se a situação vexatória ou
a constrangimento não autorizado por lei.
Ora, depreende-se daí que a
conduta vedada ao agente público é a de constranger o preso a exibir-se, e esse
constrangimento para que assim se configure deve ocorrer mediante violência,
grave ameaça ou redução da capacidade de resistência do detento, Não há que se
falar, portanto, que por quaisquer outra ação ou omissão incorra o agente
público no tipo penal a que se refere o artigo 13 da nova lei.
Isso sem falar que a publicação só se tornaria proibida se o único objetivo
fosse expor o preso à curiosidade pública, ou seja, veda-se o sensacionalismo
puro e simples.
O que se pretende, então, não é
obstar ou proibir a informação, mas impedir o constrangimento de uma pessoa
que, embora presa, tenha garantido o direito a não sofrer violência, ameaça e a
não ser apresentada na mídia como culpada por uma suposta pratica da qual ainda
não tenha sido processada, julgada e condenada. Imperioso, porém, sempre
noticiar como acusado de suposta prática ou preso sob a acusação de suposta
prática.
Ademais, ainda que a lei, no
artigo em questão, proibisse o agente público de informar, o que, repise-se,
não é o caso, o trabalho de divulgação noticiosa pela imprensa continua
garantido pela Constituição Federal que no parágrafo primeiro do artigo 220 assim
aduz:
Art. 220. A manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo
ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta
Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena
liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social,
observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.
Aclara-se do artigo e seu
parágrafo tornar-se inconstitucional toda e qualquer lei que crie óbice à
liberdade de informação jornalística. Logo, a lei de abuso de autoridade não
atinge a liberdade de imprensa, contra a qual a própria Constituição abarca as
restrições nos termos do artigo 137.
Ademais, o artigo quinto da Carta
Magna em seu inciso IX reforça a liberdade de expressão da atividade de
comunicação independente de censura ou licença. O mesmo diploma em seu inciso
XIV assegura a todos o acesso à informação, inclusive resguardando o sigilo da
fonte quando necessário ao exercício profissional. Todos têm direito a receber
dos órgãos públicos informações de interesse particular ou de interesse
coletivo.
É, portanto, inquestionável que
haja interesse coletivo na veiculação noticiosa e informativa pela imprensa. É
certo que os órgãos de imprensa, principalmente pelas redes sociais, têm o
poder de informar e alcançar em qualquer lugar do Brasil e internacionalmente
alguém que distante tenha sido preso ou encontre-se detido por qualquer motivo.
Maior abuso poderiam cometer, em
tese, autoridades policiais que pudessem efetuar prisões sob o manto do
anonimato.
Certamente a divulgação não deve
ser apenas especulativa, sensacionalista, para atender objetivos midiáticos e
financeiros ou de mero deboche, mas, acima de tudo, a sociedade e o cidadão têm
o direito de serem bem informados e este é um papel fundamental e exclusivo da
liberdade de imprensa.
A lei de abuso de autoridade traz
pontos importantes para a sociedade e para os direitos fundamentais da pessoa
humana, mas não pode ferir o direito ao acesso à informação e nem tampouco a
liberdade de imprensa garantida pela Constituição e pela Declaração Universal
dos Direitos Humanos, de 1948, promulgada pela Organização das Nações Unidas,
Sérgio Nunes é jornalista,
professor, bacharel em Direito pela UFMS, aprovado na OAB e Policial Penal.
E-mail: smarcosnunes@bol.com.br. Autorizada a reprodução mediante citação da
fonte.