Cansaço, fome e barricadas: ‘Tive que largar tudo para sobreviver’

r7 -02/03/2022 12:58

Após percorrer mais de 400 quilômetros em 13 horas para deixar a capital ucraniana, Kiev, com destino à cidade de Ternopil, em busca de segurança, o brasileiro Rony de Moura dos Reis, de 34 anos, relata que, apesar do cansaço e da exaustão, a sensação ao ter escapado da guerra é de alívio. Contudo, a felicidade por poder repousar por algumas horas em um hotel é permeada de angústia por ter deixado quase tudo para trás. A invasão russa da Ucrânia chega, nesta quarta-feira, ao sétimo dia.

“Primeiramente, senti um alívio em sair da principal zona dos ataques. Ao mesmo tempo, fica um pouco de preocupação porque tive que deixar tudo para trás em nome da minha sobrevivência. É um conflito de sentimentos”, diz o brasileiro, que agora está instalado em um hotel em Ternopil.

“Deixar tudo de uma hora para outra é inaceitável, inimaginável.” No trajeto, segundo ele, marcado por cansaço, exaustão e congestionamento, o estudante de medicina pensava em como recuperar um pouco do que foi perdido. “Só faltava eu fazer uma prova para obter meu diploma, agora não sei quando vou conseguir resolver isso.”

A saga para deixar Kiev começou oficialmente na terça-feira (1º). Mas, antes disso, Rony conta que passou alguns dias tentando encontrar meios de deixar a capital. Segundo ele, a Embaixada do Brasil na Ucrânia cuidou da logística para que ele e mais três brasileiros saíssem da cidade. “Viemos de carro em uma viagem que durou 13 horas. A cada 20 quilômetros tinha uma barricada de controle policial ucraniano.”

Rony afirma que não foi possível percorrer o trajeto pelos caminhos que normalmente seriam feitos. “Viemos cortando, não viemos pelas vias principais para evitar incidentes. Fizemos um ziguezague pelas pistas, passamos perto do Corpo de Bombeiros e próximo dos destroços”, disse. “Nesse momento, fiquei mais observando o caminho, estava concentrado para ver se daria certo.” Rony disse ainda que havia congestionamento intenso, sobretudo próximo da entrada dos povoados da estrada.

O estudante de medicina relatou também que não chegou a sentir medo durante a travessia por estar acompanhado do embaixador Norton de Andrade Mello Rapesta. Ele confirmou na noite da terça-feira (1º) que deixou Kiev após as condições de segurança se deteriorarem com a aproximação das tropas russas.

Os funcionários da embaixada seguiram para Lviv, onde está montado um posto de auxílio aos brasileiros que desejam deixar a Ucrânia. A cidade fica a cerca 70 quilômetros da fronteira com a Polônia. O embaixador disse que, embora tenha saído da capital, não deixará o país até retirar todos os brasileiros que procurarem por ajuda.

Assim como o embaixador, Rony seguirá para Lviv na quinta-feira (3) e depois para a Romênia, onde pretende permanecer algum tempo para trabalhar. Países como Polônia, Hungria, Moldova e Romênia são os principais receptores desse fluxo de pessoas até o momento. “Estou tentando sair pela Romênia porque uma das filiais da empresa em que trabalho está localizada lá.”

Momentaneamente afastado do medo que enfrentou nos últimos dias, Rony afirma que superou o cansaço físico na medida em que passou a se sentir mais seguro. “Estava focado em me afastar ao máximo de Kiev. Quando chegamos no hotel, por volta das 23h, e me deitei na cama, conversei com a minha família”, lembra. “Eles ficaram felizes, mas não totalmente aliviados porque eu ainda estou na Ucrânia.”