r7 -18/04/2021 18:46
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal,
avalia que a Operação
Lava Jato provocou um “colapso” no Judiciário que atingiu da primeira
instância até o STJ (Superior Tribunal de Justiça). Em entrevista ao Estadão,
Gilmar disse que essas instâncias sucumbiram a “pressões políticas” da
força-tarefa que comandou a operação em Curitiba. “O STJ não cumpriu
adequadamente seu papel”, afirmou.
Expoente da ala garantista, Gilmar reconhece que a correção
de rumos imposta pelo STF coincide com o momento em que a Lava
Jato caiu em desgraça, mas afirma que isso se deve à “estrutura hierárquica
do Judiciário”, em que o Supremo é o último a se manifestar.
O ministro ressalta que o Supremo
anulou as condenações contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva por
questões meramente processuais, ao concluir que os casos não deveriam ter
ficado em Curitiba. O STF não entrou no mérito se o petista cometeu corrupção
passiva e lavagem de dinheiro. “Não foi uma absolvição”, observou.
Gilmar já fez duras críticas a posições adotadas pelo novato
Kassio Nunes Marques que coincidem com os interesses do presidente Jair
Bolsonaro, responsável por sua indicação. Mesmo assim, disse não ver riscos de
uma Corte “bolsonarista” e afirmou que os vínculos políticos dos magistrados
vão se “esmaecendo com o tempo”.
Anular as condenações de Lula legitima o discurso do PT de
que ele não praticou corrupção?
Não. O que o tribunal está mandando é para o juiz competente
processar e julgar as denúncias. É isso. Não foi uma absolvição. Claro que
cancela as condenações, mas manda que o juiz competente prossiga no seu
julgamento.
Lula ainda tem um
novo encontro com a Justiça?
Com certeza. Você viu que surgiu a dúvida sobre a vara
competente, São Paulo ou Distrito Federal. Definida a competência, essa vara
vai prosseguir (o trabalho).
O sr. vê espaço para
o plenário derrubar a suspeição do Moro?
Essa questão está resolvida. Porque, de fato, nós julgamos o
habeas corpus (da suspeição de Moro na Segunda Turma). Nós temos que ser
rigorosos com as regras processuais. Não podemos fazer casuísmo com o processo,
por se tratar de A ou de B.
O julgamento de Lula
pode provocar um efeito cascata e beneficiar outros réus?
Não vejo assim. O caso do Lula, no que diz respeito à
suspeição, é muito delimitado. É uma situação muito personalista.
Lula ficou 580 dias
preso, acabou afastado das eleições de 2018 e só agora o plenário do STF
decidiu que Curitiba não tinha competência para julgá-lo. O Supremo dormiu no
ponto?
Acho que não. Na verdade, o processo judicial é muito
complexo. E ele segue toda essa escala: o juiz de primeiro grau; o tribunal
intermediário, no caso deles, o TRF-4; o STJ; e o Supremo. Desde 2015, o STF
vem afirmando que a competência de Curitiba não é universal.
Como explicar à
sociedade que o Judiciário cometeu um erro que levou à prisão de uma pessoa?
Isso é fruto, primeiro, dessa estrutura hierárquica do
Judiciário. O Supremo só fala por último. Essa questão do Lula (da competência
de Curitiba) só aportou no Supremo em novembro. Agora, o Supremo, no caso do
“quadrilhão do MDB”, já tinha decisão. O caso da Gleisi (Hoffmann, presidente
do PT) e do Paulo Bernardo é um antecedente, de 2015, e ali se assentaram
balizas muito interessantes. Dizendo, por exemplo, que não bastava que um
delator informasse vários fatos para justificar a competência de Curitiba.
Por que instâncias
inferiores não foram na mesma linha?
Havia uma ânsia de decidir rapidamente, de acordo com aquilo
que a Lava Jato tinha estabelecido. Se nós formos olhar, havia uma certa
opressão dos tribunais que eram suscetíveis de serem oprimidos. O STJ, nesse
período, foi submetido a uma pressão político-judicial. Uma perseguição
judicial. Por conta daqueles episódios ligados à nomeação do Marcelo Navarro
(alvo de acusação na delação de Delcídio Amaral). O tribunal, ele próprio
perdeu a ossatura. Ele não cumpriu, adequadamente, seu papel.
O STF impôs uma
correção de rumos à Lava Jato?
A Lava Jato sofreu inúmeras derrotas ao longo desse tempo.
Mas por seus próprios méritos. Ou deméritos. Ela causou isso, na medida em que
avançavam sobre competências que não tinham. A pergunta básica é: como que se
deu tanto poder a uma força-tarefa? Em que lugar do mundo haveria isso? É
alguma coisa que precisa ser explicada. Virou um esquadrão.
O sr. utilizou as
mensagens de hackers como reforço para declarar Moro parcial?
Isso sugere uma subversão institucional. Houve, de alguma
forma, um colapso aí, em termos de gestão administrativa. Esses problemas se
multiplicam. De alguma forma, estão ocorrendo episódios semelhantes na 7.ª Vara
do Rio de Janeiro. Em que aparece um super advogado (Nythalmar Filho, alvo de mandados
de busca da PF), que teria relacionamento com o juiz (Marcelo Bretas), que
teria trânsito com os procuradores, que faziam todas as delações... E tudo
mais. Nesse mundo obscuro que é o Rio de Janeiro. O combate à corrupção não
pode ser instrumento de corrupção.
No julgamento da
suspeição de Moro, o sr. ficou frustrado com o voto de Nunes Marques, que foi
contra declarar o ex-juiz parcial?
Eu saio do julgamento, o tema se encerra, e a vida segue com
a mesma normalidade. Sou bastante enfático, como vocês sabem. Posso até ter
adversários, mas não tenho inimigos, não.
O sr. destacou que
“não há salvação para o juiz covarde”. O voto dele foi covarde?
Não estava falando sobre isso. É um artigo de Ruy Barbosa,
que diz: “O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz covarde”. É
uma expressão clássica. Estimula-se muito a técnica do não conhecimento
(rejeição do processo por questões técnicas) para evitar enfrentar determinadas
questões, especialmente em matéria criminal. Eu sou crítico disso, porque depois
nós acabamos por chancelar brutais injustiças.
Após a indicação para
o STF, qual deve ser a relação do ministro com o chefe do Executivo?
Tenho a impressão de que esses vínculos políticos vão se
esmaecendo com o tempo. É natural e surge até um distanciamento...
Bolsonaro riu ao ser
informado por um apoiador de que uma ação contra Alexandre de Moraes ficou nas
mãos de Nunes Marques. Essa “bancada bolsonarista” que pode se formar dentro do
STF não preocupa?
Acho que não. A vida é tão dinâmica, e as pessoas vão se
conscientizando do seu papel. O que acontece é que talvez o momento político
está tão crispado e acaba acontecendo que muitos políticos ficam falando para
os seus convertidos: ‘Ah, estou atuando nisso’, mas o ministro Kassio
simplesmente encaminhou para o arquivo essa matéria. Portanto, aqui não
sinaliza nenhuma subordinação hierárquica ao presidente da República. Ao revés,
mostra que simplesmente ele está seguindo a jurisprudência do STF.
O sr. vê risco de um
“Supremo bolsonarista”?
Não vejo, acho que as pessoas (os indicados) começam a fazer
uma autocrítica do seu papel.
O senador Jorge
Kajuru (Podemos-GO) divulgou áudio de uma conversa reservada com Bolsonaro. O
sr. vê crime nesse tipo de conduta?
Tudo isso é muito estranho. De fato, a gente tem de
resguardar a figura do presidente da República. A impressão que ficou é de que
um órgão que detém um tipo de soberania está muito vulnerável. A interdição do
debate público e a criminalização da política estimularam aventureiros, que
hoje compõem bancadas no Congresso, mas que não têm cultura política
parlamentar. Espero que esses aventureiros não renovem mandato.
A Lei de Segurança
Nacional é uma herança maldita da ditadura?
Nós temos muitas leis de ditadura. O próprio Código Penal e
o Código de Processo Penal são de uma ditadura hoje considerada mais “soft”, do
Estado Novo, período Vargas. Mas eu torço para que, de fato, haja a
substituição da Lei de Segurança Nacional. Que o Congresso faça um novo
projeto, e a previsão expressa de uma lei de defesa do estado democrático
direito.