r7 -04/11/2020 17:13
A Fiocruz começa a produzir no Brasil, em janeiro de 2021,
210 milhões de doses da vacina contra a covid-19, contou a presidente da
instituição, Nísia Trindade, em entrevista exclusiva ao Estadão. O imunizante
será o desenvolvido pela Universidade de Oxford (Reino Unido) e a farmacêutica
Astrazeneca, ainda em fase de testes. A produção, disse, poderá atender a uma
fatia considerável da população, mesmo que sejam necessárias duas aplicações, o
que seria suficiente para imunizar metade do país.
A estimativa é que a vacinação comece em março. "Não
vai haver uma aplicação em massa da vacina", explicou Nísia. "Terá
que haver algum critério de priorização, mas isso ainda não foi definido."
A produção de 100 milhões de doses nos primeiros seis meses
será feita com a importação do chamado ingrediente farmacêutico ativo, o
principal insumo do imunizante. A partir do 2º semestre, porém, o Brasil já
terá produção de forma autônoma, pelo acordo de transferência de tecnologia com
o laboratório.
Segundo ela, "no 2º semestre, já com a produção
inteiramente nacional, serão mais 110 milhões de doses. Um total de 210 milhões
de doses em duas etapas". O contrato entre Fiocruz e Astrazeneca é de US$
250 milhões (R$ 1,4 bilhão). Com isso, o País garantirá a autonomia na produção
da vacina. Terá também acesso à tecnologia inédita no desenvolvimento de
imunizantes, que já se revelou promissora.
Eventualmente, o País terá à sua disposição, além da vacina
de Oxford, outros imunizantes, como a Coronavac, chinesa, e a Sputnik V, russa.
Segundo Nísia, usar diferentes produtos desse tipo simultaneamente não é
inédito, mas exige cuidados. "Tem que ser tudo bem organizado",
alertou.
Diria que a produção
da vacina contra a covid é a missão mais importante da Fiocruz em seus 120 anos
de vida?
A Fiocruz esteve à frente da pesquisa sobre o HIV e a febre
amarela, além de participar da construção do SUS. Mas diria que, sim, é um dos
marcos históricos da Fiocruz. Vivemos um momento único, de impacto em todas as
esferas. Tanto que vários historiadores já disseram, inspirados por (Eric)
Hobsbawn (historiador britânico), que esta epidemia seria o marco do início
deste século.
A Fiocruz pretende
produzir somente a vacina de Oxford ou também outras?
Para a covid-19 vamos produzir a vacina de Oxford. Lembrando
que não é possível começar a produção sem a conclusão dos ensaios clínicos de
fase 3. Mas nossa expectativa é muito positiva. Muito provavelmente, ela vai
apresentar bons resultados. Essa é a vacina que produziremos nos próximos dois
anos. No futuro, pode ser que tenhamos até mesmo desenvolvimento de imunizantes
nacionais. Mas neste momento vamos produzir só a de Oxford.
Como foi o processo
de escolha? Por que a vacina de Oxford foi a selecionada?
Não foi uma decisão unilateral da Fiocruz, foi um processo
com muitos atores institucionais - Ministérios da Saúde, da Economia, entre
outros. Mas alguns elementos foram importantes nessa escolha. A vacina de
Oxford foi a primeira a entrar na fase 3 (de testes em larga escala com
humanos). Outro fator, a possibilidade de podermos produzir tudo em
Biomanguinhos (fábrica da Fiocruz). A partir do 2º semestre, todas as etapas da
produção serão nacionalizadas, teremos o domínio da tecnologia. Um último
aspecto importante é que essa plataforma tecnológica desenvolvida por Oxford é
promissora. É uma nova tecnologia considerada para o futuro das vacinas e da
imunização.
Qual o calendário de
produção e quando começa a vacinação?
Começamos a produzir em janeiro. Até fevereiro teremos as
primeiras 30 milhões de doses para o Programa Nacional de Imunização (PNI).
Paralelamente, já estão sendo enviados à Anvisa todos os dados da pesquisa e um
pacote final será enviado entre janeiro e fevereiro. Não dá pra dizer quando
começa a vacinação, mas nossa expectativa é ainda no 1º trimestre. Até o fim do
2º semestre teremos 100 milhões de doses. No 2º semestre, já com produção
inteiramente nacional, serão mais 110 milhões - 210 milhões em duas etapas.
Os insumos também
serão produzidos aqui ou importados?
Sempre há insumos importados. Mas o importante é que a
partir do 2º semestre o ingrediente farmacêutico ativo será inteiramente
produzido por nós, o que nos dá autonomia.
A Fiocruz produz dez
vacinas do PNI. A produção da vacina contra a covid-19 terá algum impacto nessa
produção?
Não. Essa vacina é feita a partir de uma tecnologia
diferente. Estamos aproveitando uma área que era destinada à produção de um
biofármaco, adaptando essa linha extra já existente. Não terá impacto negativo
na produção das outras.
A produção de 210
milhões de doses é suficiente para imunizar toda a população brasileira?
Tudo depende da estratégia a ser adotada. Alguns estudos
mostram que os melhores resultados são obtidos com duas doses. Nesse caso,
teríamos o suficiente metade da população. Mas isso não está definido. Um
comitê de especialistas vai determinar a estratégia.
Quem será vacinado
primeiro?
Não vai haver uma aplicação em massa da vacina. Terá que
haver algum critério de priorização, mas isso tudo ainda não foi definido. Até
porque algumas definições dependem ainda dos resultados da fase 3.
Qual é a expectativa
do porcentual de eficácia da vacina?
A Anvisa aceitará vacinas com pelo menos 50% de eficácia. No
caso da de Oxford, a expectativa é de que seja mais alta.
Outras vacinas devem
estar disponíveis, como a Coronavac e a Sputnik V. Como seria essa
distribuição?
Muitos epidemiologistas têm discutido isso. Uma vacina pode
ser mais adequada para idosos, por exemplo. Agora precisa ter coordenação
nacional. Tem de tudo ser muito bem organizado.