r7 -22/02/2023 08:16
A educação pública brasileira é sempre colocada como
prioridade de todos os governos. Desde a redemocratização, muitos avanços foram
conquistados, como a universalização do acesso de todas as crianças à escola —
com as deficiências que todos conhecemos. O ensino superior tem seus problemas
estruturais, mas nossas universidades, aos sobressaltos, se mantêm com alguma
dignidade. Grave mesmo, e isso é unânime, é o caos que se instalou no ensino
médio.
Estudos feitos pela Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios)
têm mostrado que é no ensino médio que estão os piores índices de aprendizado e
os maiores índices de evasão escolar. Uma tragédia, na qual formamos uma legião
de jovens analfabetos funcionais e precários até nas quatro operações
aritméticas.
Em 2017, durante o breve governo Temer, foi colocado em
votação, à toque de caixa, um projeto que vinha sendo discutido há décadas
— o que, de certa forma, justificou o açodamento em aprovar a Lei 13.415/17 e a
BNCC (Base Nacional Comum Curricular) do ensino médio. Desde então, abriu-se
uma batalha campal (e pedagógica) entre os que defendem a nova lei e os que a
consideram um erro de consequências incorrigíveis, que vão aprofundar ainda
mais nossa crise educacional.
Em resumo, pois o tema tem várias camadas de complexidade, o
novo ensino médio partiu do princípio, inquestionável, de os jovens alunos
estarem desestimulados, não verem sentido nas aulas dadas e se sentirem
despreparados para o mercado de trabalho. Dessa avaliação correta, a de que era
preciso mudar urgentemente, os legisladores extinguiram o modelo único
(nacional, federativo) de currículo. Uma ruptura sensível, radical.
Pandemia atrasou início do novo ensino médio
Essa nova versão deveria ter entrado em vigor em 2022, mas a
pandemia adiou para este ano o início desse processo que, todos sabem, será
longo. Continuarão como disciplinas obrigatórias a educação física, arte,
sociologia e filosofia, pois são exigências da LDB (Lei de Diretrizes Básicas)
do MEC. O mesmo ocorrerá com língua portuguesa e matemática, presentes nos três
anos do curso. A novidade da nova lei é a inclusão da obrigatoriedade da língua
inglesa desde o 6º ano do ensino fundamental.
O debate (em meio à perplexidade e desinformação reinante
entre os professores que cuidam do cotidiano escolar, longe dos gabinetes do
MEC e do Legislativo) se dá no conceito pedagógico que norteou e agora sinaliza
toda a reforma. É preciso atenção e paciência para compreender aonde querem
chegar, e se é possível, esses novos rumos educacionais.
A princípio, o novo ensino médio quer acabar com o que se
chama de “conteudismo”, aquela infinidade de conteúdos universais que todo
aluno sabe que será exigido em qualquer vestibular, mas que, ao mesmo tempo, a
escola pública não tem conseguido contemplar. O que seria colocado no lugar?
A intenção é a de aproximar o estudante, por um lado, de
carreiras profissionais técnicas; de outro, deixar que o próprio aluno construa
seu “itinerário formativo”, a partir de suas expectativas e afinidades
pessoais. A carga horária será expandida, progressivamente, de 800 horas/aula
para 1.400 horas/aula, podendo ser ampliada. E, nessa grade, haveria amplo
espaço para agregar novos conhecimentos, projetos de pesquisa e até mesmo
disciplinas de interesse bem específico. Seria a consagração da chamada
interdisciplinaridade, o cruzamento contínuo de saberes. Parece lindo, né?
O protagonismo, nesse modelo, estaria nas mãos dos alunos, e
não mais nas dos professores e instituições. O tal percurso ou itinerário
formativo (é esse o jargão utilizado pelos pedagogos) se ancora em quatro
áreas: Matemáticas e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias,
Linguagens e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Como se
percebe, cabe o mundo em tudo isso aí.
Essas áreas de percurso têm “eixos estruturais”:
investigação científica, processos criativos, mediação e intervenção
sociocultural e empreendedorismo. Essa imensidão ficaria a cargo de cada
escola, em cada território, num estreito regime de colaboração das unidades
educacionais dentro de cada estado e em sintonia com a União, ou seja, o MEC.
Complicou?
Algo que os críticos da reforma dizem, de forma afobada, é
que foram retiradas disciplinas como história, física e química. Não é bem
assim. Cada escola, e se imagina que isso seja o caminho natural, poderá
oferecer essas aulas, o que deve ocorrer, até porque já há essa oferta desde
sempre, e assim permanecerá. Elas só não constam na grade formal.
O risco de acentuarmos ainda mais as desigualdades
Mas um alerta que procede é que essas boas intenções vão
acentuar, na prática, as imensas desigualdades da realidade brasileira, repleta
de misérias e dificuldades, humanas e materiais. É fácil imaginar as
dificuldades que escolas do Brasil mais profundo vão ter de enfrentar. A
começar da já constatada má formação pedagógica de nossos professores. Em
seguida, os recursos financeiros que, além de insuficientes, muitas vezes não
chegam à sala de aula.
Para muitos especialistas contrários à reforma, ela é
excludente e reducionista. Pois, ao final, vai rebaixar o resultado global e
oferecer “um ensino pobre aos pobres”. Os grandes centros e suas escolas de
qualidade vão dar conta mínima desses desafios. As escolas particulares
continuarão muito à frente das públicas, pois já experimentam esses
“itinerários” há alguns bons anos.
Por fim, a nova lei abre espaço para a terceirização da
grade curricular não formal, por meio de parcerias com os grandes sistemas de
ensino, cada dia mais concentrados em um cartel informal que já se alimenta
fartamente de dinheiro público com seus livros didáticos e módulos padronizados
de estudo.