r7 -21/06/2020 22:21
Os efeitos diretos da pandemia do novo coronavírus sobre
as contas da União, Estados e municípios levaram o governo a reavaliar a
extensão da proposta do novo pacto federativo, aquela que prevê um amplo
redesenho fiscal do País. Agora, é consenso de que essas medidas serão
desidratadas com o cenário pós-crise.
Enviada ao Congresso Nacional em novembro do ano passado, a
PEC (Proposta de Emenda à Constituição) previa medidas importantes, como a
extinção de mais de mil municípios, que ocorreria gradualmente até 2026, e a
distribuição de R$ 400 bilhões nos 15 próximos anos em recursos arrecadados com
a exploração do petróleo para Estados e municípios.
O próprio secretário especial de Fazenda do Ministério da
Economia, Waldery Rodrigues, admitiu que a proposta precisa ser revisada e
debatida pelo Congresso tão logo os parlamentares voltem a se debruçar sobre a
agenda de reformas econômicas. "O novo pacto federativo voltará em outro
formato, possivelmente mais enxuto, mas voltaremos a essa discussão",
disse, em palestra realizada por videoconferência. Procurado pelo Estadão, o
secretário não quis entrar em detalhes sobre a proposta.
A revisão é inevitável. As medidas previstas na PEC do Novo
Pacto contemplavam um cenário de recuperação econômica do País e de melhora nas
contas da União e dos governos regionais a partir deste ano. Elaborada num tempo
em que nem o mais pessimista dos economistas poderia prever um choque como a da
pandemia do coronavírus, a proposta apontava para uma equalização fiscal do
País até 2026, quando a regra do teto de gastos - que limita o crescimento das
despesas à inflação - completará dez anos.
O projeto pouco tinha andado no Congresso quando o novo
vírus desembarcou no País, no fim de fevereiro deste ano. Agora, sobram
incertezas sobre a extensão do rombo da União e dos governos regionais, além da
própria duração da pandemia - com possíveis novas ondas de contágio até que
haja uma vacina contra a doença. Pelos cálculos da Instituição Fiscal
Independente (IFI) do Senado, o setor público só voltará a ter contas no azul
em 2033.
Estados
Entre as principais medidas do Novo Pacto está a promessa da
União em distribuir R$ 400 bilhões nos 15 próximos anos em recursos arrecadados
com a exploração do petróleo para Estados e municípios voltarem a investir -
vedado o uso para o pagamento da folha de pessoal.
Embora haja uma origem bem definida para esses recursos, a
penúria do governo central e o "enxugamento" do pacto podem levar a
uma redução desse valor, já que o acordo firmado entre União e Estados no STF
(Supremo Tribunal Federal) para acabar com a disputa sobre as compensações na
Lei Kandir obriga o Tesouro a repassar apenas R$ 65,6 bilhões aos governos
estaduais até 2037.
O presidente do Comsefaz (Comitê Nacional de Secretários da
Fazenda, Finanças, Receitas ou Tributação dos Estados e Distrito Federal),
Rafael Fonteles, afirmou que a equipe econômica ainda não procurou os Estados
para apresentar a nova proposta de pacto. Segundo Fonteles, que é secretário de
Fazenda do Piauí, seria preocupante que uma nova proposta reduzisse os repasses
federais aos demais entes: "O ponto principal é aumentar as transferências
de recursos da União para os entes subnacionais, seja através das receitas de
petróleo, da transferência de tributos ou ainda da facilitação de operações de
crédito", avaliou.
Como a proposta original previa essa volumosa injeção e a
rápida recuperação da economia já no começo da década, a PEC acabava com a
garantia da União em empréstimos dos Estados e municípios com bancos públicos a
partir de 2026. A nova realidade, porém, mostra que os governos regionais
dificilmente terão condições para conseguir financiamentos sem que o Tesouro
avalize as operações. Desde o começo deste ano, 13 das 27 Unidades da Federação
deram calotes em parcelas dessas dívidas, levando a União a desembolsar R$ 4,22
bilhões até maio para honrar esses compromissos.
Plano de extinção de municípios menores pode ser descartado
A desidratação da proposta de Novo Pacto Federativo também é
vista como uma oportunidade para que as prefeituras aumentem a pressão no
Congresso contra a extinção dos menores municípios - um dos pontos mais
polêmicos do texto. A PEC prevê que as cidades com menos de 5 mil habitantes e
com arrecadação própria inferior a 10% do orçamento sejam incorporadas aos
municípios vizinhos a partir de 2025.
Eduardo Stranz, consultor da Confederação Nacional dos
Municípios (CMN), argumenta que a pandemia reforçou a importância da existência
de governos nas menores cidades. Segundo ele, os prefeitos estão dispostos a
debater a redução de gastos com secretarias e câmaras de vereadores, mas rechaçam
a simples extinção desses municípios.
"Sem dúvida a população estaria mais vulnerável ao novo
coronavírus nessas localidades se as municipalidades já estivessem extintas. A
proposta do governo prevê que 780 cidades seriam responsáveis por mais de mil
municípios, sendo que alguns ficam a 200 km da sede da administração",
alega a CMN.
Um dos pilares do novo pacto é a uniformização da
contabilidade dos gastos públicos nas três esferas, com a criação do Conselho
Fiscal da República e o estabelecimento de travas para o gasto com pessoal em
casos de emergência fiscal - quando a despesa obrigatória responder por 95% da
despesa primária total do ente. Até mesmo pelo consenso em torno dessas
medidas, a avaliação de técnicos do governo é de que esse ponto não será afetado
pela pandemia.
Unificação
A tramitação do novo pacto segue parada no Congresso. O
relator da PEC, senador Marcio Bittar (MDB-AC), afirma que ainda não foi
procurado pela equipe econômica para fazer alterações no texto. Segundo ele, o
relatório está pronto, mas não há data para ser apresentado.
A PEC propõe unificar os limites mínimos de gastos com
educação e saúde em 37% do Orçamento, ficando a critério de cada governante
dividir esses recursos entre as áreas.
Bittar defende o fim dos pisos constitucionais,
desvinculando assim uma parcela maior do gasto público. Mesmo após a pandemia
ter desnudado carências no sistema de saúde em todas as esferas, o senador
afirma não ver razões para alterar o relatório.
Com as principais medidas de enfrentamento à pandemia já
encaminhadas, o Senado discute maneiras de acelerar a tramitação do pacote do
ministro Paulo Guedes nas próximas semanas. A chamada PEC dos Fundos, que
libera R$ 180 bilhões para amortização da dívida pública da União, está pronta
para ser levada ao plenário e deve ser a primeira a ser aprovada. Além disso,
os senadores avaliam com a equipe econômica reunir o conteúdo das outras duas
propostas - a PEC Emergencial e a própria PEC do Pacto Federativo - em um texto
único, mais enxuto.