cnn -08/09/2024 10:44
A confirmação de que Edmundo González deixou a Venezuela
fugindo da justiça é apenas o mais recente de diversos indícios que, juntos,
compõem o desenho da escalada autoritária do governo de Nicolás Maduro.
A falta de independência entre os Poderes e o domínio dos
militares bolivarianos em cargos-chave da administração pública já fazem parte
do desenho institucional da Venezuela há mais de uma década. Nesse último ciclo
eleitoral, entretanto, especialistas indicam que Maduro subiu mais um degrau na
derrocada democrática do país.
“A provável fraude eleitoral indica uma transformação
qualitativa do regime político. Até o momento, tratava-se de um autoritarismo
competitivo populista radical, que dependia da legitimidade eleitoral vista
como plebiscitária. A partir de agora transitamos para um regime de tipo russo,
no qual a via eleitoral para a mudança de governo se fecha e as eleições se
tornam meras aclamações do candidato oficial”, avaliou à CNN no dia
seguinte à eleição Felippe Ramos, Ph.D em sociologia pela New School for Social
Research e especialista em democracia, crises constitucionais, populismo e
autoritarismo.
Veja abaixo os principais marcos dessa crise:
Janeiro: O Supremo Tribunal de Justiça da
Venezuela impede María Corina Machado de concorrer a qualquer cargo público por
15 anos. Ela havia sido aprovada nas prévias da oposição com mais de 90% dos
votos. Apesar disso, foi condenada por ter participado na autoproclamada
Presidência de Juan Guaidó, em 2019. O político não chegou a administrar de fato
a Venezuela, que seguiu sob o comando de Nicolás Maduro, mas seu mandato foi
reconhecido por dezenas de países da comunidade internacional.
Março: A substituta de María Corina Machado como
cabeça de chapa da oposição, a professora Corina Yoris, tenta se inscrever no
sistema online da autoridade eleitoral venezuelana, mas seu registro é barrado
horas antes do fim do prazo oficial para a inscrição.
Abril: A Plataforma Unitária Democrática, em
oposição ao regime venezuelano, lança a candidatura de Edmundo González à
presidência. O diplomata aposentado de 74 anos não havia ocupado qualquer cargo
eletivo até então. A coalizão que o alçou às urnas reúne 11 partidos de
centro-esquerda e centro-direita. Logo em seguida, seis assessores de María
Corina Machado pediram asilo na embaixada da Argentina, depois de a Justiça
venezuelana decretar a prisão do grupo por “conspiração”;
Maio: Governo de Nicolás Maduro retira convite
para que observadores da União Europeia acompanhem a disputa eleitoral. Palácio
de Miraflores afirma que a decisão foi uma resposta à manutenção das sanções
econômicas do bloco ao país.
Julho: Começa a última etapa da corrida
eleitoral. Logo no início do mês, o chefe da segurança de María Corina Machado
é preso e solto no dia seguinte. Em seguida, pesquisas de opinião mostram um
favoritismo expressivo de Edmundo González. A poucos dias do pleito, a oposição
convoca manifestações em todo o país. E, no dia 28, 11,7 milhões de eleitores
foram às urnas. No dia seguinte, o Conselho Nacional Eleitoral afirmou que
Nicolás Maduro foi o vencedor, com 51,21% com 80% das urnas apuradas.
A oposição contesta o resultado, pedindo a divulgação das
atas, que detalham o número de votos por sessão eleitoral. No último dia do
mês, o Carter Center, a principal entidade internacional que acompanhou o
pleito, afirmou que as eleições não haviam sido democráticas e retirou sua
equipe do território venezuelano.
Brasil não reconhece vitória de Maduro nem da oposição —
Itamaraty exige divulgação das atas eleitorais.
Agosto: Protestos da oposição lotam as ruas de
Caracas e das principais cidades do país. Governo de Nicolás Maduro faz mais de
2 mil prisões e afirma que lotaria os presídios de segurança máxima com os
detidos durante os protestos. Comissão da ONU registra 23 mortes em decorrência
da opressão policial aos manifestantes e denuncia detenção de crianças e
adolescentes. Dezenas de países afirmam que a reeleição de Maduro foi uma
fraude.
Venezuela rompe relações diplomáticas com países que
reconheceram vitória de Edmundo González. Entre eles, a Argentina. Brasil
assumiu a representação diplomática da Casa Rosada em Caracas.
Assessores de María Corina Machado são presos e escritório
da oposição é invadido por homens encapuzados.
Supremo Tribunal de Justiça confirma vitória de Maduro, sem
apresentar atas eleitorais. Ministério Público da Venezuela convoca Edmundo
González a depor em acusações de usurpar as atribuições do CNE ao divulgar
contabilização de atas em site aberto.
Setembro: Polícia venezuelana faz cerco à
embaixada argentina sob representação brasileira e afirma que opositores
asilados no prédio planejaram atentado contra Nicolás Maduro. Edmundo González
é alvo de mandado de prisão e deixa o país após receber asilo político da
Espanha.