r7 -24/06/2020 20:03
Por 7 a 4, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu nesta
quarta-feira (24) impedir que Estados e municípios endividados reduzam o
salário de servidores públicos como forma de ajuste das contas públicas.
O sinal vermelho do Supremo à aplicação dessa medida frustra
governadores e prefeitos, que esperavam poder usar esse instrumento para
reequilibrar as finanças. A situação ficou ainda mais dramática com os efeitos
provocados pela pandemia
do novo coronavírus.
Enquanto os servidores públicos foram "blindados"
pela Suprema Corte, uma medida provisória do governo Bolsonaro permitiu que
funcionários da iniciativa privada com redução de jornada tivessem o salário
cortado em até 70%. Segundo o governo, cerca de 11,141 milhões de pessoas já
tiveram o salário reduzido ou suspenso.
A discussão no Supremo foi concluída hoje com a retomada do
julgamento sobre a validade da LRF (Lei da Responsabilidade Fiscal), sancionada
pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso em 2000. No mesmo ano, chegou
ao Supremo a ação cujo julgamento foi concluído apenas hoje, em plena pandemia.
Para a maioria dos ministros do STF, a redução de salário de servidor público
afronta a Constituição por violar o princípio da irredutibilidade dos
vencimentos.
Um dos artigos da LRF - que permite reduzir jornada de
trabalho e salário de servidores públicos caso o limite de gasto com pessoal de
60% da Receita Corrente Líquida (RCL) seja atingido - foi derrubado de forma
unânime pelo STF em 2002 em uma avaliação preliminar. Agora, com uma composição
do tribunal quase totalmente diferente, o STF analisou o mérito da questão,
mantendo a suspensão do dispositivo.
Em agosto do ano passado, seis ministros do Supremo já
haviam votado contra a redução de salário de servidores públicos: Rosa Weber,
Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Edson Fachin, Luiz Fux e Marco Aurélio
Mello.
O julgamento foi concluído nesta tarde com a manifestação do
decano, Celso de Mello, que não participou da discussão em 2019 por estar de
licença médica. Em uma curta leitura do voto, Celso acompanhou nesta tarde o
entendimento da maioria dos colegas.
Nas contas do Tesouro Nacional, 12 Estados fecharam 2018
gastando mais que o permitido com a folha de pessoal. Com a redução da jornada
e do salário, os Estados que ultrapassam o limite poderiam economizar até R$
38,8 bilhões, conforme revelou o Estadão.
"A escolha foi feita pela própria Constituição, que
estabeleceu todas as hipóteses de enxugamento da máquina sem fazer constar a
redução de salário de servidores. O custo social de corte de salário de
servidor é vivermos o perigo constante de greve de servidores, que é muito pior
que as possibilidades razoáveis criadas pela Constituição Federal (que prevê a
demissão)", disse o ministro Luiz Fux no ano passado.
Radical
Em seu voto, lido no ano passado, o relator da ação,
Alexandre de Moraes, observou que a Constituição prevê, em situações extremas,
a própria demissão de servidores públicos estáveis, enquanto a LRF permite a
adoção de medidas menos radicais, com a flexibilização temporária da jornada de
trabalho e salário. Para Moraes, o caminho intermediário preserva a
estabilidade do serviço público.
"A discussão não é reduzir salário e jornada ou seguir
como está. É isso ou desemprego. A Constituição fez o 8 ou o 80. É perda da
estabilidade com consequente perda do cargo público para sempre por questões
orçamentárias, fiscais. O que a lei de responsabilidade fiscal fez foi permitir
uma fórmula intermediária, aqui não é hipótese de perda da estabilidade. A
Constituição previu o mais radical. A lei não poderia de forma absolutamente
razoável estabelecer algo menos radical e temporário?", disse Moraes.
"Por que a lei não poderia permitir de forma razoável,
proporcional, sempre temporária, a chance do servidor público se manter no seu
cargo (por um salário inferior)? Por que exigir que ele perca o cargo, se em um
ano e meio, dois anos, a situação (do Executivo) pode se alterar? A hipótese
mais radical (prevista na Constituição) vai transformar os servidores públicos
estáveis em desempregados", indagou o ministro.
Além de Alexandre de Moraes, se posicionaram a favor da
redução de salário apenas os ministros Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e
Dias Toffoli.
Repasses
Outro controverso ponto da LRF em discussão era a
possibilidade de o Executivo limitar repasses de recursos a outros poderes em
caso de frustração de receitas no Orçamento. Esse item havia rachado ao meio o
plenário, com cinco votos a favor para que o Executivo adote a medida e outros
cinco votos contra.
Com o voto decisivo de Celso, o Supremo decidiu, por 6 a 5,
que o Executivo não pode limitar recursos a outros poderes em caso de
frustração de receitas no Orçamento.
Hoje, quando a arrecadação fica abaixo do projetado no
Orçamento os demais poderes ficam imunes a tesouradas nas despesas e continuam
recebendo o repasse mensal (duodécimo) normalmente, às custas do Executivo.
No ano passado, o Estadão revelou que, enquanto os
Executivos estaduais sofriam com contas atrasadas e muitos sequer conseguiam
colocar salários de servidores em dia, os poderes Legislativo, Judiciário,
Ministério Público e Defensoria tinham uma sobra de R$ 7,7 bilhões em recursos.